O dia começou pesado na manha seguinte. A manifestação agora era publica, todos já sabiam como e quando ela aconteceria, restando apenas uma dúvida: teríamos mesmo coragem de desafiar as autoridades? Não podia afirmar com 100% de certeza que todas aquelas pessoas que assinaram a lista de Seth cumpririam sua palavra, mas eu sabia o que ia fazer. As 8:30 sai da Spartacus com Miyako, Ty, Griff e Seth para a aula de Mitologia Greco-Romana, com a professora Mira. Assim como todo o resto da escola, ela sabia sobre a manifestação e a apoiava, então deu um jeito de não ter nenhum funcionário do Ministro fiscalizando sua aula naquela segunda-feira.
Durante a única hora de aula dela, todos me olhavam, comentavam sobre a greve. E entre os cochichos, ouvia questionamentos: eu iria mesmo fazer isso? Eu iria comandar a greve? Ou iria acovardar e ceder à pressão do Ministério? Apenas ouvia os comentários sem dar importância, toda minha atenção pregada no relógio no alto da parede, bem acima da porta. 9:57. Olhei para a turma e todos se revezavam entre olhar para mim e para o relógio. 9:58. A professora parou de escrever no quadro para checar a hora. 9:59. Agora os poucos que ainda copiavam a matéria largaram as penas e se juntavam a tensão que pairava no ar.
10:00. Quando o ponteiro maior chegou ao 12, a professora e a turma inteira me encarava. E eu, simplesmente, levantei sai pela porta e parei no corredor. Ouvi mais algumas cadeiras se arrastando e Ty, Miyako, Griff e Seth estavam ao meu lado. Atrás deles, vi Micah, Evie, Chris, Shannon, Milla, Reno, Annia, Wes, Victor, Ricard, Vina, Dario e Georgia saindo. Comecei a caminhar pelo corredor com todos ao meu lado e enquanto íamos passando pelas portas das salas, elas iam abrindo uma a uma e cada vez mais estudantes saiam por elas. Alguns funcionários do Ministro ainda tentaram conter os alunos, mas éramos muitos contra poucos, então eles desistiam à medida que iam percebendo que aquilo estava além do alcance deles.
Aos poucos os alunos iam chegando ao campo de quadribol e se espalhando pelo gramado, se acomodando no chão. Não podia deixar de sorrir satisfeito vendo que a escola inteira estava aderindo e não demorou muito até que os professores aparecessem por lá, observando de longe e conversando entre si. Quando parecia não ter mais nenhum aluno faltando, o Ministro chegou enfurecido. Ele estava muito alterado, totalmente fora de controle por não ter impedido aquilo tudo, e começamos a rir. A risada acabou o irritando ainda mais. A filha dele, Inês, apareceu ao seu lado e ele esticou o braço para apoiar a mão em seu ombro, mas ela passou direto por ele.
- Inês! – ele exclamou surpreso e ela parou a 5 passos de onde eu estava, o encarando – Aonde pensa que vai? Volte já aqui!
- Desculpe papai, mas acho que já está na hora do senhor ir para casa – ela falou firme e ele ficou sem reação. Inês passou por Evie e as meninas da Avalon e elas a olharam surpresas também, mas não conseguiram evitar o sorriso de satisfação.
- Quanto tempo acham que vão ficar sentados ai? – ele perguntou alterado, já sem diplomacia e em um tom de voz de briga – Vão sentir frio e fome, precisarão ir ao banheiro, isso não dura nem 2 horas. Estão armando esse circo todo a troco de nada.
- Não vamos a lugar nenhum, senhor – respondi em nome de todos – Estamos preparados para tudo isso. Durmstrang tem um excelente diretor, que é perfeitamente capaz de comandar essa escola sem a interferência do Ministério. A época da ditadura já passou e não vamos mais aceitar a repressão que estamos sofrendo, portanto só vamos sair daqui quando o senhor for embora.
- Então se preparem para criar raiz nesse gramado, garoto – ele respondeu em tom de aviso, secando o suor da testa com um lenço.
- É o que vamos ver – respondi outra vez e ele balançou a cabeça, saindo do campo.
- Fiquem firme ai, pessoal – a professora Mira fez sinal de positivo com a mão e saiu do campo com o professor Lênin e a professora Mesic.
- Vou tentar um acordo. Ele vai ceder e sei que não vai demorar, vamos acabar com isso rápido – o diretor Ivanovich prestou apoio a nossa greve e também saiu, procurando pelo Ministro.
Mas a manifestação não chegou nem perto de acabar rápido. A imprensa não demorou a aparecer e entres idas e vindas do Ministro até o campo de quadribol, os representantes do Profeta Diário de toda a Europa se espalhavam entre os alunos, colhendo depoimentos. Perto das 16hs, Glenda Chittock, a locutora mais famosa da RRB, apareceu no castelo e veio me entrevistar. Todo mundo queria falar um pouco com ela, fazer algum comentário, e a manifestação acabou se transformando em um programa ao vivo na radio, que estava sendo transmitida pela primeira vez nos alto-falantes de Hogwarts.
A greve agora já durava cerca de 10 horas e o Ministro fazia aparições exaltadas a cada duas horas, tentando nos desencorajar, mas sem nenhum sucesso. Cada vez que ele saia, alguém soltava alguma piada que o deixava ainda mais irritado e ele se recolhia outra vez. A demora para se chegar a um acordo começou a preocupar os pais dos alunos e muitos deles resolveram aparecer na escola, incluindo minha mãe, tia Yulli e tia Alex. E quando pensei que elas iriam tentar nos fazer desistir, tive uma surpresa. As três estavam ali para nos apoiar, dizer que estavam orgulhosas por estarmos lutando pelo que achávamos certo e que era para agüentarmos o tempo que pudéssemos, pois tio Quim estava mobilizando Ministros da Magia de todo a Europa para se manifestarem a nosso favor. Era uma questão de tempo e um pouco de paciência, e tudo ia se resolver.
À medida que a madrugada ia passando, o frio e o cansaço aumentavam. Muitos alunos não resistiam ao sono e cochilavam escorados uns nos outros, numa tentativa de produzir um pouco de calor. Nossas mães haviam montado guarda nas arquibancadas do campo e não davam sinais de que iriam embora enquanto estivéssemos ali.
- Que horas são? – Gina perguntou encostada nas minhas costas, bocejando.
- Quase 4 horas da manha – consultei o relógio no meu pulso e me espantei com o tempo que aquilo estava durando.
- Biel, estou preocupada com essa gente toda aqui fora – Miyako falou baixo, os joelhos dobrados e apertados contra o corpo – Está muito frio!
- Também estou preocupado, mas ninguém está disposto a desistir – dei de ombros, sem ter o que fazer – Não posso levantar e mandar que entrem. Além de ser extremamente contraditório, ninguém me obedeceriam.
- É verdade, estão todos tão desesperados para que Viktor Molotov saia voando daqui que preferem congelar aqui fora a furar a greve – Griff comentou fazendo uma pequena chama sair da ponta da varinha e agitando no meio do circulo que formávamos.
- Estou mais preocupado com a Evie – Ty comentou olhando para o lado. Evie estava um pouco pálida e tremia de frio, enquanto Micah tentava aquece-la com os braços – Ela não parece nada bem.
- Ei, Evie? – chamei e ela olhou – Está se sentindo bem?
- Estou com um pouco de frio, mas nada que não vá sobreviver – respondeu sorrindo, mas seus lábios quase brancos diziam o contrario.
- Você não parece nada bem – Miyako insistiu e eles se aproximaram da nossa roda – Por que não vai até a enfermaria? Não tem problema, sério.
- Eu estou bem, pessoal. É sério – Evie sorriu outra vez, erguendo a mão com o punho fechado – Até o fim.
Micah trocou um olhar preocupado com Ty e eu e a abraçou apertado, enquanto ela encostava a cabeça em seu ombro e fechava os olhos. Percebi que minha mãe mantinha os olhos nela, como se esperasse algo acontecer, então relaxei um pouco. Se surgisse alguma emergência, ela iria socorrê-la. Gina e Miyako começaram a bater as mãos em uma brincadeira trouxa de criança e rimos delas, mas logo a maioria se ocupava com a brincadeira, que foi se espalhando pela roda e ficando cada vez mais longa. Era bobo, mas engraçado e uma forma de matar o tempo, que com todo aquele frio, demorava a passar.
O dia começava a clarear e nenhum aluno ou professor havia deixado o campo de quadribol. Seth já marcava quase 24 horas de greve quando o Ministro saiu novamente e, munido de um megafone, declarou que expulsaria todos que insistissem com o protesto. Ty perguntou se os professores dariam aula aos elfos quando todos os alunos de Durmstrang fossem mandados de volta pra casa e todo mundo caiu na gargalhada, até mesmo os professores, enfurecendo de vez o homem.
- Ótima idéia essa, Ty! Durmstrang vai se renovar, graduação de elfos domésticos! – Griff debochou, falando em alto e bom som.
- Só não os faça usar uniforme, ou vão entender que estão ganhando roupas e vão embora, a escola vai ficar vazia de novo! – Ty completou
- Ministro, isso precisa parar – ouvi o diretor falando perto do ouvido dele, tentando se fazer ouvir em meio a todas aquelas risadas – Os alunos não vão ceder, então ceda o senhor.
- Jamais! – ele respondeu furioso, o dedo em riste – Terão que me obrigar, Igor! Vão ter que me obrigar!
- Micah? – escutei a voz fraca de Evie logo atrás de mim e minha atenção se desviou do diretor – Eu acho que... – e sua voz morreu quando ela apagou.
- Evie? – Micah segurou seu rosto com firmeza e a sacudiu de leve – Evie?? Ela desmaiou, alguém me ajuda!
As meninas gritaram assustadas e minha mãe veio correndo na direção dela, pegando seu pulso depressa para medir os batimentos. Micah olhava da Evie para minha mãe com uma expressão de pânico no rosto, segurando uma Evie mole em seus braços. Mamãe mantinha os dedos no pulso dela e consultava o relógio. De longe via o diretor discutindo com o Ministro e o professor de Aritmancia chegar correndo, vindo até onde estávamos.
- O que está acontecendo? – o professor perguntou agitado – É minha neta, o que houve?
- Calma senhor, se afaste, por favor! – mamãe manteve a calma e afastou o professor Andrei com a mão – Micah, por favor, pegue-a no colo e venha comigo até a enfermaria. Os batimentos cardíacos dela estão normais, então temos que descobrir o que causou o desmaio.
- Mãe... – ameacei levantar vendo Micah ficar de pé e erguer Evie no colo, completamente desfalecida.
- Vai ficar tudo bem, fiquem onde estão, a ajuda está chegando – ela falou me encarando e me mantive sentado.
- Gabriel, eu tenho que ir, não posso deixar ela sozinha – Micah falou olhando para o nosso grupo.
- Não se preocupe cara, vai ficar com ela – Ty respondeu por todos nós – E se der à hora do almoço e ainda estivermos aqui, faça o favor de vir dar noticias dela!
- Pode deixar – ele riu mais aliviado e saiu atrás da minha mãe.
- Uma aluna desmaiou, Viktor! – o diretor esperou que eles passassem com Evie para dentro do castelo e agarrou a gola da camisa do Ministro. Rapidamente os seguranças os cercaram – O que mais falta acontecer para que você perceba que eles não vão desistir até conseguirem que saia? Que um aluno morra congelado sentado nessa grama?
Os seguranças afastaram o diretor do Ministro e houve um principio de confusão, mas os professores se envolveram e conseguiram acalmar os ânimos. Ele já se preparava para fazer outra retirada estratégica, mas uma coruja parda que voava muito depressa deixou cair um envelope em sua mão, o impedindo de continuar andando. Ele rasgou a carta e desenrolou um pergaminho, correndo os olhos por ele, mas antes mesmo que pudesse terminar, ouvimos um zumbido alto e em seguida 3 figuras apareceram no gramado. Tio Quim, tio Wayne e mais um homem que reconheci como o pai de Samuel, Igor Jacques Stardust, o Ministro da Magia da França. Tio Quim e tio Wayne olharam para o nosso grupo e piscaram rapidamente, retomando as expressões sérias ao caminharem até Viktor Molotov.
- Ministro – tio Quim estendeu a mão a ele, que apertou com desconfiança – Vejo que recebeu nosso comunicado. Podemos conversar em particular em sua sala, ou prefere que seja aqui fora mesmo?
- Vamos até meu escritório, por favor – ele respondeu manso, indicando o caminho até o castelo. Os três passaram sua frente e a comitiva entrou.
- O que está acontecendo? – Victor perguntou engatinhando até onde eu estava.
- Galera, vamos acordar, porque daqui a pouco vamos poder sair daqui! – Griff bateu palma para chamar a atenção dos outros e os que ainda cochilavam ergueram as cabeças, animados.
- Como você sabe que vamos poder sair? – Victor insistiu – Quem são eles?
- São 3 Ministros da Magia, sendo que dois deles são família e um é pai de um amigo – respondi sorrindo animado, e Chris concordou comigo.
- Sim, um deles é meu tio, pai do Shane – completou.
- São a ajuda que nossas mães falaram – Miyako concluiu esperançosa, se espreguiçando – E já era hora deles chegarem, estou ficando sem posição aqui!
- Vamos aguardar, é só uma questão de tempo agora... – Ty se agitou, deitando na grama gelada para tentar relaxar.
Relaxar era o que todos queriam depois de quase 24 horas sentados na grama fria de Durmstrang, mas também era algo impossível de acontece naquela altura do campeonato. Toda a tensão por não sabermos o que aconteceu com Evie e a chegada de 3 Ministros agitaram todos os alunos, e aguardávamos uma resposta ansiosos, todos os olhares concentrados na trilha que levava ao castelo. Esperamos por quase uma hora, mas finalmente vimos uma movimentação vindo daquela direção. Tia Alex e tia Yulli vinham puxando a comitiva e faziam sinal de positivo com as mãos, mas também pediam que continuássemos onde estávamos. Tio Quim vinha logo atrás dela conversando com o diretor Ivanovich, que tomou o megafone das mãos de um dos seguranças de Viktor Molotov e parou bem no centro do campo, na direção onde eu estava.
- Atenção! Tenho um comunicado a fazer – ele começou a falar e naquele momento, só sua voz podia ser ouvida, ninguém sequer respirava direito, com receio de perder alguma palavra – O Ministro Viktor Molotov, depois de 22 horas de resistência, decidiu aceitar os termos impostos pelos alunos, portanto, podem levantar daí, a greve acabou! – uma gritaria tomou conta do gramado, levantamos todos aos pulos e nos abraçávamos comemorando, mas o diretor pigarreou alto no megafone e paramos para ouvi-lo mais uma vez – Porem, também concordei com alguns termos impostos por ele. Não podemos deixar que as denúncias feitas pelo jornal, no começo do ano, se repitam. E para isso vou precisar que todos vocês colaborem. Posso contar com a ajuda de todos?
Todos responderam que sim ao mesmo tempo e o diretor sorriu satisfeito, se juntando aos professores para comemorarem a retirada da tropa do Ministério da escola. Voltamos a festejar nossa vitória e fui junto de Ty e Miyako abraçar tia Alex e tia Yulli. O diretor chamou todos os alunos para o salão principal, onde os elfos serviriam um banquete de café da manha e muito chocolate quente, mas apesar da fome, fui com os outros direto para a enfermaria. Apesar da vitória, precisava saber como estava a baixa que sofremos durante a batalha. Mas se minha mãe estava cuidando dela, então sabia que estava tudo bem.
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Vem, vamos embora, que esperar não é saber.
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Geraldo Vandré - Pra não dizer que não falei das flores
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