Tudo se encaminhava para ser mais uma apática quarta-feira, com os passos dos alunos sendo minuciosamente observados pelos aurores do Ministro, e caminhava sem nenhuma empolgação com Miyako e Gina em direção a redação do jornal. Mas mesmo antes de abrir a porta, percebi que aquela monotonia estava prestes a chegar ao fim. Paramos do lado de fora e nos encaramos espantados, ouvindo Georgia batendo boca com alguém que parecia ser a funcionaria encarregada de fiscalizar o jornal. Miyako abriu a porta depressa e nos deparamos com as duas de frente uma pra outra, as vozes elevadas e uma Georgia pronta para partir pra briga a qualquer instante.
- O que está acontecendo? – perguntei parando ao lado de Wes, que não sabia se acalmava Georgia ou deixava a briga acontecer.
- Petrova rasgou todas as matérias que deixamos prontas ontem, para começar a editar – Wes falou e Miyako e Gina olharam enfezadas pra mulher – Disse que não estavam de acordo com as normas do Ministério e Georgia se enfureceu.
- Ela rasgou tudo? – perguntei revoltado – Mas deu trabalho fazer aquilo! Isso é censura descarada!
- Eu sei, é o que Georgia vem dizendo faz 10 minutos, mas ela não está se importando.
- Georgia, calma! – Nina parou na frente dela, empurrando a garota para trás – Se você encostar nela, vai ser pior pra todos nós.
- Melhor ouvir sua amiga, menina – Petrova falou mantendo a calma, mas a varinha apertada na mão – Estamos conversando, não há necessidade de agressão física ou verbal.
- Não dá pra conversar com você! – Georgia falou com raiva, mas a professora Mira a empurrou sentada em uma cadeira e Evie parou ao seu lado, pronta para segura-la se tentasse levantar. A mulher sentou também e todos fizeram o mesmo – Isso é censura, voltamos aos anos 60, ditadura!
- Talvez seja exatamente isso que falta a essa escola, pra que volte a ter o prestigio de antes. Liberar os alunos para fazerem o que querem foi um erro do diretor.
- Pois eu não escrevo em um jornal onde não existe liberdade de expressão – A professora fez menção de segura-la, mas Georgia a olhou indicando que não causaria mais confusão e levantou – Eu me demito! Desculpa professora, mas não dá mais – Georgia olhou decidida para a professora e recolheu suas coisas na mesa – Pra mim já chega.
- Se ela vai, eu também vou – Evie também ficou de pé, recolhendo suas coisas. Georgia sorriu agradecida pra ela
- É, eu também estou fora – Nina também levantou, sorrindo pras duas
- Contem comigo, aqui eu não fico mais – Levantei também e em seguida, Miyako e Gina fizeram o mesmo.
- Bom, o que eu vou fazer aqui, se todos vão? Podem me incluir nesse grupo – Wes levantou depressa, jogando a mochila nas costas. Depois dele, mais dois alunos levantaram também, mas a grande maioria permaneceu calada.
- Se vocês saírem por aquela porta, não precisam mais voltar – Petrova disse encarando Georgia.
- E quem disse que eles querem voltar? – Mira respondeu por todos nós – Eu não posso ir, é o meu trabalho, mas não vou prender alunos aqui sob as regras de uma ditadura.
- Ótimo, vão então, fora da redação – Petrova ficou de pé e agora encarava a professora, furiosa com a audácia dela – O Ministro vai ficar feliz em saber que o jornal agora está livre daqueles que causavam confusões diárias.
Recolhemos nosso material e, encarando Petrova, saímos um por um da sala. Ela bateu a porta assim que passamos e sentamos no a escada. Ficamos um encarando o outro, sem saber o que dizer ou fazer, esperando que alguém perguntasse primeiro.
- E agora? – Gina foi quem quebrou o silencio – Vamos deixar por isso mesmo? Eles assumindo uma coisa que era nossa?
- Não, nós vamos reagir – falei de repente, surpreso comigo mesmo por estar dizendo aquilo – Eles não vão nos calar, vamos criar um jornal alternativo e escrever sobre o que quisermos.
- E principalmente, sobre a repressão que a escola está sofrendo – Miyako falou já animada, me apoiando – Pode contar comigo, Biel.
- Um grupo de resistência! – Nina falou animada – Quem mais topa?
Todos balançaram a cabeça sorrindo, concordando que aquela era a melhor, e talvez única, maneira de reagir contra a opressão do Ministério. Mas não tivemos tempo de planejar nada, pois Chris apareceu no corredor nos procurando, pedindo que todos que fossem do grupo do teatro irem até a sala do professor. Estranhamos o pedido, pois só teríamos ensaio na sexta, mas seguimos Chris até lá, deixando Gina e Wes para trás com os outros dois garotos do jornal que não faziam parte da peça. A sala dele já estava apinhada de gente quando chegamos, todo o elenco da peça reunido esperando que o professor se pronunciasse. Quando percebeu que não faltava mais ninguém, ele levantou.
- Desculpem tira-los de suas atividades normais, mas não poderia conversar com vocês durante nosso horário de aula – ele caminhou para frente da mesa e sentou nela – Nossa peça foi censurada pelo Ministro, ele alega que seria uma má influência falar de sexo, drogas e homossexualismo com tanta naturalidade – houve um principio de rebelião, onde falávamos ao mesmo tempo e reclamávamos alto, mas ele ergueu os braços pedindo calma e nos calamos – Eu não vou permitir que censurem uma forma tão bela de se expressar como é o teatro, nossa peça permanecerá sendo Rent, e não O Mágico de Oz, como eles querem – Chris puxou um aplauso e nos juntamos ao coro, animados. O professor sorriu e, mais uma vez, pediu calma – Porém, não será possível ensaiarmos na escola. Disse a eles que a peça estava cancelada, que não aceitaria receber ordens deles, e que as atividades no teatro seriam apenas de musica e dança.
- Mas como vamos fazer então? – Georgia perguntou confusa – Onde vamos ensaiar?
- No teatro do vilarejo – ele respondeu animado e vi Georgia, Evie e Nina sorrirem, se encarando – É um teatro antigo, não tem a estrutura que temos aqui, mas é um bom espaço. Existe uma passagem direta pra ele atrás do nosso teatro, usaremos ela. Os alunos que estarão ensaiando para as outras apresentações de fim de ano ocuparão nosso teatro e com isso, manterão os cães de guarda do Ministro ocupados. O professor Marko concordou em ajudar, ficará de supervisor deles. Vamos precisar ser discretos, mas pela arte tudo é valido. E se no fim do ano não nos deixarem fazer a apresentação aqui, faremos no vilarejo. Então, o que me dizem? Posso contar com vocês?
A turma inteira aplaudiu outra vez, assobiando animados, e ele teve certeza que todos topavam participar de mais uma resistência ao Ministério. Ele se juntou aos aplausos sorrindo animado e voltou à mesa, chamando um por um para começar a distribuir os papéis. Miyako e Nina foram as primeiras e conversaram com ele por mais de 10 minutos. Assim que elas levantaram, ele chamou meu nome e o de Chris.
- Gabriel e Christopher – ele falou sorrindo, nos encarando – Vocês serão dois dos mais importantes personagens. Gabriel, você tem o perfil e a aparência perfeita para ser Mark Cohen, o cineasta que narra boa parte da história. E Chris, você é exatamente o que eu procurava para Roger Davis, um músico com HIV, que está se recuperando do vicio em heroína. Vocês dividem um apartamento e são melhores amigos. Gabriel, durante toda a apresentação você estará segurando uma câmera e filmará de verdade partes da peça. No fim, esse será o documentário que Mark estava fazendo, e passaremos ele em um telão.
- Mas Durmstrang não tem recursos contra tecnologia trouxa? – perguntou curioso
- Sim, mas já estou trabalhando nisso com o professor Lênin, não se preocupe – disse sorrindo e encarou Chris – Christopher, Roger Davis perdeu a namorada há 3 anos. Ela se suicidou quando descobriu que tinha o vírus HIV e ele não consegue superar isso. Ele se envolve com Mimi Márquez, mas é difícil para ele se abrir novamente – ele estendeu duas apostilas e nos entregou – Essas são as músicas que serão cantadas durante a peça. Leiam, sintam a letra, compreendam as emoções dos personagens ao lerem, e só então aprendam a cantá-las – folheamos as apostilas passando o olho nas músicas e Evie passou perto da gente – Ah, Evie! Se você está aqui, é porque aceitou minha proposta. Estou certo?
- Sim, vou ajudar na peça – ela respondeu sorrindo.
- Ótimo! Então sua primeira tarefa é encontrar sua equipe. Você precisa de um sonoplasta, um cenógrafo e uma pessoa pra cuidar da iluminação. Traga quem quiser, desde que seja capaz de cuidar do trabalho.
- Pode deixar, vou conseguir essas pessoas amanha mesmo! – Evie respondeu animada e fiquei feliz por ela estar se distraindo
- Podem ir, vocês dois. Dario e Alexei, venham, por favor.
Levantamos da cadeira e nos juntamos a Miyako e Nina, que já trocavam idéias de seus papéis. Elas seriam Maureen Johnson e Joanne Jefferson, uma artista e uma advogada que formavam um casal. Depois de meia hora, o professor já havia conversado com todo o elenco principal e Dario e Alexei também fariam um casal, o professor de literatura Tom Collins e o Drag Queen Angel Dumott, ambos com HIV. Georgia faria Mimi Márquez, uma dançarina exótica com HIV e viciada em heroína, que se envolveria com o personagem de Chris. A surpresa do elenco ficou por conta de Ricard, que se juntou ao teatro esse ano e ganhou o papel de Benjamin Coffin III, o proprietário do prédio onde metade dos personagens mora.
Fomos liberados logo depois e passamos o resto da hora que deveríamos estar na redação conversando sentados na escada sobre os ensaios da peça. Estavam todos muito empolgados com a idéia de sair escondido da escola para ensaiar, mas logo o assunto se desviou para a idéia do jornal alternativo, e gastamos algum tempo especulando coisas como onde poderíamos nos reunir, as possíveis primeiras matérias e até mesmo um nome. Depois de muito debate, ficou decidido que o jornal se chamaria “O Berrador”. E se dependesse da nossa empolgação, sua primeira edição sairia já na próxima semana. Era a hora de respondermos a eles.
Vamos fazer nosso dever de casa
E aí então vocês vão ver
Suas crianças derrubando reis
Fazer comédia no cinema com as suas leis
Somos os filhos da revolução
Somos burgueses sem religião
Somos o futuro da nação
Geração Coca-cola
Geração Cola-Cola – Legião Urbana
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