quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

[Lembranças de Miyako Kinoshita...]

FLASH FORWARD: Julho de 2011.

Estávamos nos divertindo na festa de casamento do Ty com a Rory e, embora eu soubesse que aquela união tivesse começado de um acordo formal, apostaria tudo que tinha que os dois ainda se gostavam bastante. (Só precisavam deixar algumas mágoas do passado onde deveriam ter ficado e eles poderiam ser felizes juntos...)

Como não conseguia permanecer de pé por muito tempo (uma vez que já tinha entrado no meu último mês de gestação), me sentei à mesa com minha família e acompanhava Ty e Haley dançando não muito longe dali. Estava distraída os observando, enquanto bebericava alguns goles de suco de tomate gelado (o que tinha se demonstrado como meu principal “desejo de grávida”), quando senti uma dor forte contraindo os músculos da minha barriga e me fazendo gritar de dor e soltar o copo no chão.

Em poucos segundos todos da festa estavam aglomerados ao meu redor. Tia Louise dava instruções para Henri e para os outros curandeiros da casa, pois não daria tempo de chegarmos a um hospital e precisavam me locomover até um dos quartos; e mamãe agarrava minha mão com força, e parecia que também ia parir um filho, pois estava tensa e suando gelado – como eu. Estava na hora de eu conhecer o meu bebê.

***

Poucos minutos depois eu já me encontrava em uma cama macia, mas nem mesmo as orientações e incentivos que tia Louise, tia Mirian e Morgan me falavam, estavam conseguindo fazer com que eu me acalmasse e ignorasse a dor de cada contração. Nervosa, acabei expulsando Henri do quarto, aceitando do meu lado somente Ty e Gabriel. E cada um deles estava agarrado a uma de minhas mãos, e faziam força comigo.

Pareceu ter durado uma eternidade de dor até que finalmente um choro vivo preencheu o quarto e abafou todos os outros sons. E quando tia Louise me entregou um bebê com grandes olhos verdes vivos, enrolado em uma manta, e parecendo tão frágil e dependente de mim, eu entendi que nenhuma dor do mundo era realmente significante perto daquela sensação.

Depois que Gabriel e Ty saíram do quarto para comunicarem, Henri, meus irmãos, e todos os meus outros amigos e familiares entraram em seguida para conhecer Eicca. Mamãe e Sergei vieram juntos e, enquanto Sergei acomodava Eicca em seu colo, mamãe veio até mim e limpou meu rosto com uma toalha úmida. Seus olhos estavam molhados, mas ela tinha um sorriso fixo no rosto.

- Obrigada mãe. Por tudo. Eu entendo agora o que você disse... – eu dizia baixinho para ela, que ainda passava a toalha por minha testa com delicadeza e parecia incapaz de dizer alguma coisa.
- Do que você está falando?
- Anos atrás, quando eu disse que você não deveria se preocupar tanto com a minha vida... Você disse que “quando eu tivesse meus filhos, eu entenderia”. E entendo agora. Obrigada por ter se preocupado tanto comigo, sempre.

Ela parou para me olhar e não conseguiu se conter muito mais tempo, desabando em cima de mim e me apertando em um abraço.

- Eu te amo filha. E quer saber? Obrigada você por ter sido tão teimosa e me provado que mães também erram quando tentam proteger os filhos... Caso contrário, você não estaria me dando esse presente hoje. Ele é lindo. E eu sou vovó!

Ela exclamou com mais lágrimas escorrendo de seus olhos enquanto observávamos Sergei ninar Eicca em seu colo, cantando baixinho uma música russa. Eu tinha os melhores pais do mundo!

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FLASHBACK: Junho de 2000.

Junho passou como um raio por Durmstrang. Depois da temporária “trégua” dos ataques de vampiros, se deu uma verdadeira coleção de eventos importantes: a prisão do pai de Evie (bem como a “rendição” de Max), seguida da prisão de Luka; a viagem de formatura; a greve para expulsarmos o Ministério da Magia do controle do castelo; a incrível vitória da Sapientai no Torneio de Quadribol; os NIEM’s; a apresentação da nossa peça de teatro; a terceira e última tarefa do Torneio Tribruxo – que consagrou Biel como o campeão; e, finalmente, o evento mais esperado por todos nós do 7º ano: a formatura.

Enquanto acompanhava meus amigos, de um por um, subirem ao palco para pegarem seus diplomas, sentia como se milhares de borboletas estivessem voando em meu estômago. Durante os últimos meses eu havia ansiado por este dia: pelo momento em que eu finalmente pegasse meu diploma e me visse livre de todas as amarras invisíveis que me impediam de espalhar para todos que estava apaixonada por um professor; e que tínhamos planos para ficarmos juntos. Mas agora que ele finalmente era real, tentava lidar com todas as outras conseqüências que meu diploma acarretaria.

Não que ainda estivesse em dúvida sobre minha carreira; isso eu tinha definido há bastante tempo: seria jornalista, e já tinha garantido um estágio no Profeta Diário da França. O que realmente me assustava era a idéia de ter que me formar em Beauxbatons, lugar onde tinha sido realmente feliz e onde tinha de fato me encontrado e identificado, e não poder voltar para mais um ano letivo. Ter que “crescer” de verdade, que assumir responsabilidades, que enfrentar o mundo lá fora e não vacilar para correr atrás de todos meus objetivos. Tudo isso fazia com que minhas pernas tremessem embaixo da beca azul que estava vestindo.

- Kinoshita, Miyako.

Eu nem teria reagido se, ao meu redor, meus amigos não tivessem começado uma verdadeira zona de aplausos, gritos e assovios, e Griffon – da fileira de trás - não tivesse cutucado meu ombro para que eu levantasse.
Tentando controlar os pensamentos e o peso das pernas, subi ao palco e cumprimentei todos meus professores que ali estavam, inclusive Henri (que piscou para mim, abrindo um enorme sorriso no rosto que só consegui retribuir com um esboço torto da boca), parando no fim da fileira para receber o diploma de Madame Máxime.

E então eu vi mamãe e Sergei no meio de todos os outros familiares dos meus amigos, e cada um deles trazia no colo um de meus irmãos: os gêmeos Keiko e Hiro. E os breves instantes em que os vi, as expressões deles de orgulho estampado em euforia, fizeram com que eu deixasse todo o medo e incertezas de lado. Eles estavam comigo, me apoiando, e nada mais deveria importar.

***

A manhã seguinte à formatura representou um grande desânimo a todos nós, uma vez que era hora de arrumar as malas e partir. Porém, eu tinha planos diferentes, e consegui arrastar meus amigos comigo. Portanto, após virarmos a noite e vermos o sol nascendo em Durmstrang, nos apressamos a arrumar nossas coisas e partimos para Beauxbatons para um último e rápido adeus. (Não aceitaríamos ficar sem nos despedir de todos aqueles lugares que significaram tanto para nós...!)

Assim que chegamos, Seth e Griffon foram para o Salão Comunal da Lux enquanto Gabriel e Ty se encaminharam para o Salão Comunal da Sapientai. Sozinha, passei pelos corredores em direção ao Salão Comunal da Nox e entrei – pela última vez – no dormitório que dividi com Denise por tanto tempo.
Depois nos reencontramos e descemos todos juntos ao Salão Principal, e tomamos café por lá pela última vez.

- Temos que passar no lago e nos despedir das lindas sereias... – Ty falou sonhador sorrindo e os meninos concordaram. Revirei os olhos.
- Certo. Como não vou sentir saudade alguma de sereiano, vou descendo até o Campo de Quadribol e espero vocês lá.

Estava chegando ao campo quando cruzei com Jean Savoy no caminho. Ele vinha voltando de lá e estava muito sorridente.

- Oi Mi! O que faz aqui? Não deveria estar em Durmstrang?
- Oi Jean. É, deveríamos... Mas viemos nos despedir de Beauxbatons antes. Ty, Gabriel e os Chronos estão ali no lago se despedindo das sereias. – disse em tom sarcástico e ele riu. – E você? Está voltando do campo?
- Sim. Estava me despedindo do professor Henri antes de embarcarmos para as férias e... Ele disse que vai me indicar como o próximo capitão do time da Nox! Não é o máximo?!
- Henri está aqui? – perguntei rápido antes que pudesse pensar. – E, ah, parabéns Jean! Fico muito feliz por você. Tenho certeza de que vai ficar bem neste cargo.
- Obrigado! Está sim... Ele também chegou a pouco de Durmstrang, pois precisava organizar algumas coisas aqui.
- Ótimo. Então também vou lá me despedir dele. Boas férias Jean!

Eu quase comecei a correr quando os últimos metros para o campo de quadribol eram só o que me separavam de Henri. Durante a festa nós tínhamos sido discretos, pois, apesar de já estar formada, não queria que minha família soubesse de algo tão importante sendo contado de maneira tão leviana. Nós decidimos que conversaríamos com eles, juntos, assim que estivesse novamente em casa para as férias de verão.

Tiago estava sozinho no gramado consultando sua prancheta e corri até ele, tampando seus olhos com as mãos quando cheguei às suas costas. Ele riu.

- Eu não acredito. O que você está fazendo aqui? Já estava voltando para Durmstrang atrás de você, antes que embarcasse para casa... – ele puxou minhas mãos e se virou, me envolvendo pela cintura. – Meu amor.

Sorri e me levantei um pouco sobre as pontas dos pés para beijá-lo.

~*~

Não muito longe dali, no lago do castelo, Seth, Griffon, Gabriel e Ty, se ajoelhavam na sua beira para se despedirem da professora de sereiano, Mariska Sarkovy. Eles riam quando ouviram um barulho discreto ao lado e se viraram para se depararem com Yulli, que sorriu para eles e se aproximou.

- Oi meninos. Vieram se despedir do castelo com Miyako não é? Onde ela está?
- Ela foi descendo para o campo de quadribol antes de nós tia. O que está fazendo aqui? Cadê meu padrinho e os gêmeos? – Ty perguntou enrugando a testa.
- Ele já foi pra casa com os gêmeos. E Miyako não vai voltar com o trem de Durmstrang. Vim apanhá-la para termos um dia de garotas em Paris. Presente de formatura...
- Então vamos descer com você. Já estávamos a caminho mesmo! – Seth falou se levantando e batendo a capa. – Adeus professora. Até breve, eu espero. – Ele se despediu em sereiano e todos os garotos riram da cara de confusão que Yulli fez, seguida do sorriso de Mariska.
- Adeus meninos. – ela respondeu também em sereiano e sumiu na superfície do lago.

Estavam na metade do caminho quando cruzaram com Jean Savoy. Yulli continuou descendo o caminho sozinha enquanto eles paravam para conversar com o colega.

- Oi pessoal. Indo para o campo de quadribol também? Miyako está lá. Disse que ia se despedir do professor Henri...
- Henri está aqui??? – Gabriel perguntou de supetão, de repente parecendo em pânico, e trocou olhares tensos com os outros amigos.
- Sim. Também chegou de Durmstrang a pouco...

Eles até teriam corrido para impedir Yulli ou para avisar Miyako e Henri, e de fato eles tentaram, mas não conseguiram chegar a tempo. Pouco menos de um minuto depois, quando os quatro entraram correndo no campo, viram que a amiga estava no centro do campo abraçada ao professor, e eles se beijavam, ignorando completamente o fato de que a poucos metros deles Yulli observava a cena com uma expressão de total incredulidade. E raiva.

~*~

- O que está acontecendo aqui? – uma voz interrompeu meus devaneios e fui obrigada a abrir os olhos e me situar novamente. Um segundo depois, senti o estômago afundar ao ver que minha mãe caminhava na nossa direção parecendo furiosa. Tiago se congelou firme ao meu lado.
- Mãe! O que você está fazendo aqui?
- Eu perguntei primeiro, Miyako. O que vocês estavam fazendo? O que estava acontecendo aqui? – ela parou na nossa frente e tinha uma veia pulsando na testa. Olhava de mim para Tiago e sua boca tremia levemente.

Gabriel, Ty, Seth e Griffon caminharam cautelosos até nós e se postaram atrás da minha mãe com olhares diversificados como se falassem “desculpa”, “tenha calma” e “sejam cautelosos agora”. Respirei fundo antes de voltar a olhar pra minha mãe.

- Estava acontecendo um beijo, mãe. Como você deve ter visto... – respondi tentando ser firme e calma, e Gabriel fez um sinal positivo com a cabeça pra me incentivar.
- Eu vi Miyako. Não tente tranqüilizar as coisas. Eu quero entender O PORQUÊ de vocês estarem fazendo isso. O que aconteceu? Se excederam na despedida? Beberam demais na festa?
- O que aconteceu é que eu gosto da sua filha, Sra. Hakuna. E ela gosta de mim. E é só por isso que estávamos nos beijando. – Tiago respondeu do meu lado e vi Ty batendo na testa de relance.
- Vocês... Se gostam? HAHAHA! “Se gostam” desde quando? Eu posso saber? Se até ontem eu nunca tinha escutado minha filha falar de você!
- Isso é porque, até ontem, ele era meu técnico mãe! E professor da escola onde eu estudava! É “só” por isso que você não sabia de nada. Mas agora não há mais problema, há? Agora eu me formei e não tenho que dar satisfações. Nem Henri.
- “Não tem que dar satisfações”? – mamãe repetiu minha frase com um tom amargo e irônico na boca que começou a me magoar.
- Não estava falando de você... Mãe, nós nos gostamos e estamos juntos há alguns meses, escondidos. Íamos contar pra você e pro Sergei ainda essa semana, de melhor maneira. Por favor, não transforme isso em um problema maior do que é.
- Não vejo como eu posso piorar isso, Miyako. Francamente. Meses juntos! E às escondidas, como se fossem marginais! Não foi bem assim que imaginei que você gastava seu tempo de escola...
- Não me arrependo do que fiz. Estou feliz com ele, mãe. Não tivemos culpa se nos apaixonamos ok? Também não escolhi assim, mas aconteceu. O que você queria que eu fizesse?
- Que fosse um pouco mais madura pra aceitar que isso não tem a mínima chance de dar certo! Olhem pra vocês dois: são de idades muito diferentes; e objetivos também! São de mundos diferentes!
- Não acredito que sejamos tão diferentes assim... – Tiago falou antes de mim, que ainda lutava para digerir aquilo. – Nós REALMENTE nos gostamos e, durante todo esse tempo que estamos juntos “como marginais” também agüentamos muitas coisas juntos para que pudéssemos ter paz depois de tudo. Paz de espírito, principalmente. E por minha parte, não tenha dúvidas de que eu faria tudo de novo também.
- Vocês perderam a cabeça, mas agora é hora de voltar à realidade! Miyako vai começar um estágio longe daqui, e ainda tem tantas coisas para conhecer. Tantas pessoas!
- Vou fazer meu estágio aqui em Paris mamãe. – Já que o momento era das revelações, decidi que era melhor dizer tudo de uma vez.

A notícia caiu como uma bomba pra ela, que não conseguiu mais se mexer.

- Não quero trabalhar no jornal de Tóquio. Gosto daqui. Aprendi a viver aqui. E eu sei aparatar, não vai ser realmente um problema se tiver que ir pra casa todos os dias... – eu ia atropelando tudo, mas ela continuava estática.
- Eu não te reconheço mais. – foi só o que conseguiu dizer algum tempo depois e senti meu coração se apertar, pois ela tinha um olhar frio e duro.
- Mãe...
- Não. Você não é minha filha. Você mudou. Você era cheia de planos de conhecer todo o mundo antes de se “casar” com alguém e... Veja você agora! Escute o que está falando!
- Eu ainda quero isso, mãe. Não tem nada me impedindo...!
- ELE ESTÁ TE IMPEDINDO. ESSE ROMANCE TE IMPEDE! – Mamãe berrou levantando os braços e, automaticamente, Seth colocou uma de suas mãos no ombro dela como se pedisse calma. Ela se virou pra trás contra eles. – Vocês também sabiam de tudo! Vocês estão vendo Miyako enlouquecer e não fazem nada! É um complô?
- A única pessoa que está enlouquecendo aqui é você mãe! Eles não tem culpa de nada. Ninguém tem! Eu me apaixonei e é SÓ isso. Pare de encarar como se fosse o fim do mundo! – Pulei na frente dela também elevando a voz e ficando entre ela e meus amigos que pareciam muito chocados para reagirem.
- Ótimo! Vou parar de interferir na sua vida, agora que você não tem que me dar satisfações. Faça o que quiser com ela. Viva com quem quiser da maneira que achar mais sensata! Mas não volte pra casa! Pelo menos enquanto não voltar a ser um pouco racional! – ela gritou de volta e saiu marchando do campo.

Fiquei parada no mesmo lugar, encarando meus amigos e Tiago, que pareciam tão assustados quanto eu. Depois corri até ela, abordando-a quando já tinha atingindo os jardins.

- Você está me expulsando de casa? É isso? – perguntei com a voz falha e ela parecia segurar algumas lágrimas, pois seus olhos estavam inchados.
- Não. Você está escolhendo deixar ela e eu estou respeitando sua decisão. – ela respondeu seca desviando o olhar.
- Ok. Se você acha que essa é a melhor maneira de enfrentar tudo isso... Não vou mais discutir e nem pedir para que reconsidere. Você tem suas opiniões. Mas... Se quer saber o que eu penso de você agora, eu digo: agora eu entendo porque você e Sergei demoraram tanto para serem felizes, e porque você evitou ele por tantos anos. Você tem medo de se relacionar. Você é uma covarde e que tem medo de sofrer. Direito seu de auto-preservação, e eu aceito (apesar de não entender). Acho que finalmente estamos percebendo diferenças entre nós, “mãe”. E eu vou assumir os meus riscos, sozinha, se você prefere assim.

Sem conseguir dizer mais nada, voltei para o campo de quadribol aos prantos. Minha nova vida havia começado me puxando o tapete.

Who says I can’t be free?
From all of the things that I used to be
Rewrite my history
Who says I can’t be free?

Who Says – John Mayer

N.A.: Se lembrem desse dia como o dia em que eu finalmente formei a Miyako! Huahuahuahua!

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

[Maio/Junho de 2000 \\ Lembranças de Miyako Kinoshita]

- Desculpa Mi, mas acho que não entendi direito o que você disse... Você vai o quê? – Gabriel abaixou o livro de Sereiano que estava lendo para me encarar com os olhos levemente arregalados. Balancei as mãos com impaciência e repeti com o mesmo tom de voz urgente de antes.
- Vou sair do time da Nox. Quis contar para vocês antes de anunciar para o restante do meu time e para Henri, e vão ser os únicos a não serem pegos de surpresa pela minha decisão. Eu sei que é uma atitude um pouco exagerada e precipitada (já que vou abandonar a disputa quando estamos prestes a nos classificarmos para as fases finais...), mas é a única opção que eu vejo para que “ele” não leve a culpa toda sobre “aquilo”, caso Inês espalhe alguma coisa por aí... – eu falava depressa e aos sussurros e, vez ou outra, olhava ansiosa por cima dos ombros para acompanhar o movimento dos alunos que entravam e saíam da biblioteca.
- Ah, cale a boca! – Ty respondeu alto e algumas pessoas da mesa ao lado nos olharam com censura. Fiz uma careta e me virei brava pra ele, que não se alterou. – É, isso mesmo. Cale a boca. – Ty repetiu aos sussurros. – Que você é louca e não tem juízo, nós já estamos cascudos de saber desde a maternidade. Mas você nunca foi covarde Miyako. Não é agora que vou aceitar que seja e assistir calado.
- Eu NÃO estou sendo covarde Tyrone. – aumentei meu tom de voz um pouco e Gabriel fechou o livro, já se preparando para uma possível discussão. - Estou fazendo o que acho mais fácil (e certo) a se fazer, para não ter tantas dores de cabeça em um futuro próximo... Desculpe, mas agora estou pensando em mim. Egoísta sim, mas não covarde.
- Para mim, não há outro adjetivo que defina isso. Se você ao menos tivesse motivos CONCRETOS para se basear, mas... Abandonar o seu time, que tanto está lutando e trabalhando junto (grande parte deles são seus amigos, se lembra?), por uma teoria que até agora vem se provado totalmente vã? Isso é covardia. Acredite em mim, sei por experiência própria.

Meus punhos novamente estavam fechados e pressionados em cima dos meus joelhos, e eu sentia uma dor incômoda neles. As palavras de Ty também passavam por mim como facas – afiadas e certeiras. Franzi a boca e não conseguia responder nada. Ty me encarava inalteradamente, e acabei desviando os olhos pra Gabriel. Ele me avaliou alguns segundos, antes de começar a falar com tranqüilidade:

- Ty tem razão sobre isso Mi, e você vai ter que concordar. Nós dois sabemos o que é se apaixonar por alguém, e o que somos capazes de fazer por isso. Não estamos te recriminando por ter se apaixonado por “ele”, e nem por estarem juntos ou fazerem planos juntos para o futuro... Mas, você está sendo um tanto radical, tola e covarde. – Abri a boca para responder, mas ele cortou. – Calma. Deixe falar tudo e então, depois, eu vou te escutar. – Concordei com a cabeça, contrariada, e ele trocou um breve olhar com Ty antes de continuar. – Vamos ser racionais e analisar toda a situação, como se deve, ok? Por tópicos. Primeiro: como já foi dito algumas vezes, vocês não estão infringindo lei alguma dos códigos bruxo e trouxa. Segundo: Inês é mimada e acostumada a ter tudo nas mãos. Você atinge alguns pontos fracos dela quando consegue manter ao seu redor várias pessoas que, de fato, gostam de você. É claro que ela tem inveja, e é claro que vai tentar te atingir e te humilhar, como faz com todas as outras pessoas. Inês é desagradável o tempo todo, com todos – ou, pelo menos, com a grande maioria. Não vejo que motivo ela teria para te escolher como alvo de uma investigação qualquer. Terceiro: aderindo à sua “teoria da conspiração”, vamos supor que ela realmente saiba alguma coisa. Por que está guardando então? Ela se prejudicaria tanto quanto (ou mais) que qualquer um de vocês. O fato de você ficar tão preocupada com as provocações dela, só prova a ela que há algo em que talvez valha à pena investigar. E, se você sair do time de quadribol agora, sem nenhuma explicação convincente o suficiente, além de causar um grande tumulto e transtornos na sua vida, e com seus colegas de time, também vai dar a ela e a todos os outros vários curiosos um bom “ponto de partida”.

Quando Gabriel finalmente parou de falar, eu me sentia tonta. A veracidade das análises dele chegou a mim com um impacto sobrenatural. Por uns segundos eu não consegui dizer nada e nem mover um único músculo, até que tivesse digerido todas elas por completo e me dado conta do quanto eu estivera agindo como uma verdadeira idiota. Senti os dois me olhando o tempo todo, mas me demorei um pouco mais até reagir. Sem poder controlar, comecei a rir.

- É sério que eu pensei nisso?! E vocês estão gastando todo esse tempo para, pacientemente, me mostrarem o quão maluca eu estou? Me internem. Sério. – eu dizia em meio às risadas. Gabriel pareceu um pouco transtornado e preocupado de início, mas quando Ty bateu na própria testa e começou a rir também, ele girou os olhos e nos acompanhou.
- Eu te disse que, desde que está bancando a “mulherzinha apaixonada”, Mi anda mais maluca e sem juízo do que sempre foi, Lobão.
- Não sei por que eu ainda levo a sério essas insanidades, e gasto meu tempo. Da próxima vez que vier com uma estupidez sem sentido, vou logo enrolar em uma camisa de força e resolvido o problema.
- Está vendo? É por isso que amo vocês e, mesmo no maior grau de insanidade, ainda os consulto antes sobre meus próximos passos... – disse rindo e os abraçando de uma só vez. – Não fiquem com ciúmes, ok? Vocês sempre vão ser os homens da minha vida.
- Não se preocupe com isso. Eu me garanto. – Ty respondeu deixando a pouca modéstia de lado.
- Eu também, mas... Agora será que podemos voltar a estudar pros NIEM’s e tentar restabelecer algum grau de seriedade aqui?! Não quero ser o “homem da vida” de ninguém, desempregado. E não quero ser expulso da biblioteca também. Sou um “campeão” do Tribruxo, tenho uma imagem – já bastante denegrida – a zelar.

Gabriel disse forçando uma expressão séria e precisei morder a mão para abafar a risada.

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É claro que, como o restante do ano, o mês de maio passou voando por nós. Depois de finalmente conseguirmos expulsar o controle do Ministério sobre Durmstrang, ficou provado para mim que abandonar a equipe de quadribol por causa da Inês teria sido a maior estupidez da minha vida. (Durante o movimento de greve que fizemos, Inês se uniu a nós contra o próprio pai e, por isso, agora desfrutava de ótimas oportunidades de conquistar novos amigos - e até estava sendo simpática com todos que se aproximavam).

Com a nossa vitória em cima da Sonserina (casa de Hogwarts), conseguimos nos classificar para as semifinais do Campeonato, e agora realmente começávamos a ansiar pela taça. O jogo seria contra outra casa de Hogwarts, dessa vez a Grifinória (time de Gina, e um dos mais cotados para o título), e os últimos treinos antes da partida tinham então adquirido uma espécie de “obsessão” em cima de cada característica de cada jogador. Henri queria nos preparar para nos adequarmos às maneiras particulares que cada um deles possuía em campo, e não às táticas que usariam. (Essa técnica fez Charles nos descrever como “atletas sombras” quando estudávamos as fichas de resumo que Henri havia feito durante todas as partidas que acompanhara dos adversários).

No dia do jogo nos sentíamos preparados e confiantes e parecia que nada – nem a afinidade de todos do time adversário, nem as jogadas cronometradas que faziam – iria abalar a superioridade que demonstramos desde o começo. Jean, Augustin e Eugene voavam e atacavam com tanto entrosamento que abriram, sem dificuldades, 30 pontos no placar. Porém, logo os artilheiros da Grifinória buscaram reações, e uma acirrada disputa agitava as torcidas que lotavam e gritavam nas arquibancadas. O clima fazia parecer com o de uma final de campeonato...

[...]

Apesar de não chover, o céu estava um tanto fechado e com neblinas densas e altas cobrindo todo o castelo. Tentava manter o foco nos espaços limpos que conseguia enxergar entre uma nuvem de fumaça e outra, mas, à medida que o jogo – e os placares – avançava, encontrar o pomo de ouro no meio de todo aquele “cinza” estava se mostrando uma tarefa tão difícil quanto encontrar agulha no palheiro.

Gina também parecia tão desanimada quanto eu, e acabávamos trocando olhares e gestos de cumplicidade cada vez que nos cruzávamos nas rondas pelo estádio, até que...

Foi em uma fração de segundo. Cansada de forçar os olhos para enxergar em meio às nuvens, me deixei distrair um minuto para ver quanto estava o placar: Nox liderava a partida por 90 X 70, mas lá embaixo os borrões dos dois times voavam com tais velocidades que pareciam totalmente alheios ao fato de que o pomo se escondera das duas apanhadoras. Foi quando acompanhava Jean avançar em direção aos aros que o vi. Uma pequena esfera brilhosa e dourada passou cortando o ar bem próximo de onde Jean rasgou paralelamente, um segundo depois. Fiquei tão em dúvida sobre o brilho que, quando resolvi reagir, percebi que minha manobra para baixo foi chamativa demais e Gina estava ao meu encalço poucos segundos depois.

O pomo voava velozmente por entre os jogadores, mas sempre em direção contrária ao fluxo que a partida estabelecia. Inclinei-me mais sobre a vassoura a fim de aumentar a velocidade, diminuindo a resistência do vento contra meu corpo, e deu certo. Agora eu estava bem próxima do pomo, poucos metros acima do chão, e só conseguia vê-lo na minha frente. Sabia que Gina estava quase emparelhada ao meu lado, mas eu iria agarrá-lo primeiro. Era só uma questão de esticar mais um pouco e ele bateria contra minha mão...

Mas isso nunca chegou a acontecer. Pois eu me lembro de já me preparar para agarrá-lo quando senti uma dor aguda no estômago me atingir, me deixar sem fôlego, e me lançar para trás fazendo com que eu caísse em um impacto mudo no gramado fofo do campo. E então tudo ficou escuro.

***

Quando abri os olhos demorei a conseguir focar o cenário (completamente novo) à minha volta. Paredes brancas, cortinas brancas nas janelas e ao redor de todas as outras camas – igualmente brancas – ao meu lado. Era óbvio: eu estava na enfermaria. E com essa conclusão, pouco surpreendente, também logo me lembrei de todos os outros eventos anteriores e me agitei entre os travesseiros. Alguém se movimentou com agilidade do meu lado e uma mão quente agarrou a minha com força. Era Henri.

- Você... – eu abri um sorriso sincero quando ele se esticou sobre meu campo limitado de visão (uma vez que eu tinha uma bolsa térmica sobre a testa impedindo que enxergasse muita coisa) e ele retribuiu parecendo aliviado.
- Como se sente? A cabeça está doendo muito? E o estômago? Você caiu de uma maneira... Grotesca. – Ele disse aos atropelos apertando um pouco mais minha mão.
- Estou bem, eu acho. Nada está doendo. Como eu caí? O que aconteceu?
- Bem... Você se endireitou na vassoura pra se preparar para pegar o pomo, mas esqueceu que estava em meio a uma partida violenta de quadribol. Acabou sendo atingida na boca do estômago por um balaço feroz que os batedores da Grifinória lançaram. Não teve tempo nem de vê-lo chegando e já estava rolando no gramado do campo, inconsciente.
- É, só lembro o impacto no estômago. – Fiz uma careta massageando a barriga e Henri riu. – Então... Isso quer dizer que eles ganharam. Grifinória está na final do torneio e a Nox foi eliminada. – disse mais como um pensamento alto e senti um gosto amargo na boca.
- Sim, mas não se preocupe com isso. O time não está chateado, e não vejo motivo para estarem... Vocês jogaram muito bem, mas não tinham como prever isso. Para os que quiserem continuar na carreira, tenho certeza de que posso conseguir alguns testes em times profissionais. – Henri sorriu confortante e me senti melhor.

Magali deve ter escutado nossas vozes, pois saiu de sua sala para conferir se eu tinha acordado. Henri soltou minha mão e nos olhamos um pouco tensos, mas a enfermeira parecia agitada demais para ter percebido nossas reações.

- Como se sente? – ela perguntou direta, tirando a bolsa térmica da minha testa e acendendo uma lanterninha nos meus olhos. Fechei-os imediatamente e senti uma pontada dolorida na cabeça.
- Estava bem, mas agora... – respondi a verdade e ouvi Henri soltar uma risadinha abafada ao meu lado.
- Quadribol! Não entendo o que tanto gostam nesse esporte de trogloditas...! – Madame Magali resmungava baixinho enquanto recolocava a bolsa térmica na minha cabeça, um pouco mais gelada. – Deve estar bem até amanhã de manhã, mas vai ter que passar essa noite aqui. Pode ir professor, eu tomo conta dela agora. E quando estiver saindo pode, por favor, liberar os senhores Lupin e McGregor para entrar aqui? Eles não vão parar de me atormentar se não os deixar visitá-la pelo menos por um instante. – ela revirou os olhos impaciente e voltou para sua sala. Henri se levantou.
- É melhor eu ir. Passei o tempo todo aqui do seu lado e, se ficar mais, ela pode começar a desconfiar que não esteja só preocupado com o estado da minha aluna... Nos vemos amanhã, ok?
- Ok. Se não tem mesmo outra maneira. – falei fazendo drama e ele riu.
- Agora falta muito pouco para você se formar e podermos acabar com tudo isso. Só precisamos de um pouco mais de paciência e então não teremos mais que esconder de ninguém que queremos ficar juntos.
- Você está certo. Tem razão. Só mais alguns dias e então isso tudo vai estar acabado.

Henri concordou com a cabeça e me deu um beijo na testa antes de sair da enfermaria. “Só mais alguns dias e tudo ficaria bem”, eu pensava comigo mesma querendo acreditar que seria verdade...

We’re both pretty sure,
Neither one can tell
We seem difficult
What we got is hard as hell

And we are leaving some things unsaid
And we are breathing deeper instead
And we are leaving some things unsaid…

The Fray – Unsaid

 

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