terça-feira, 13 de outubro de 2009

Back to 2000

Rio de Janeiro, Agosto de 2000

Voltar para casa depois de terminar os estudos foi um pouco difícil, mas eu estava me adaptando a minha velha rotina com mais facilidade do que esperava. Meus amigos de infância estavam sempre circulando pela casa, comemorando minha tão esperada volta ao convívio diário do condomínio e fazendo planos para as férias. E eu logo descobri que elas não seriam tão paradas como eu imaginava.

Entre o alistamento militar, onde escapei de ser convocado usando um pouco de magia inocente, e as aulas de aparatação e direção, preenchia meu tempo organizando uma viagem de três meses pelos Estados Unidos. Não havia sido fácil convencer minha mãe a concordar que eu passasse três meses sem um rumo certo tão longe de casa, mas com o estágio no Profeta Diário só começando em Janeiro e a avaliação para a UFRJ sendo em Dezembro, não havia muito que eu pudesse fazer dentro de casa nesse intervalo. No fim ela acabou cedendo, depois que meu pai resolveu interferir ao meu favor. Logo depois do aniversário de 1 anos da Clara, Luiz e eu pegaríamos um avião rumo a Chigaco para começar a viagem cruzando a Rota 66.

Meu exame de aparatação tinha sido marcado para a primeira terça-feira de Agosto e depois de esperar mais de uma hora no Ministério da Magia, consegui fazer a prova e passei de primeira. Almocei com meu pai e tio Ben depois que sai do exame e quando eles voltaram para o trabalho, usei minha recém-adquirida licença para aparatar direto para a casa do Sandro, onde havia combinado de encontrar os outros para ir à praia.

- Oi, entra rápido – Igor abriu a porta antes que eu tocasse a campainha e me assustei – Ouvi o estampido, imagino que tenha passado no exame.
- Sim, ouvido de tuberculoso – entrei rindo – O que está acontecendo? Por que essa cara de pavor?
- A coisa está feia, o pai do Sandro descobriu que ele trancou a faculdade. A briga é no escritório, mas aqui da sala estamos ouvindo.
- Ele trancou a faculdade? Quando?
- Há dois meses, mas é melhor você mesmo escutar...

Igor fechou a porta e caminhei até o sofá onde Pedro, Breno e Luiz estavam sentados imóveis, os ouvidos atentos a gritaria que vinha do corredor. Sentamos ao lado deles e logo também já estava compenetrado ouvindo as palavras que saiam de forma exaltada da boca de Sandro e seu pai. Sandro fazia economia na UFF há quase 2 anos e era um dos melhores alunos, embora odiasse o curso.

- Eu nunca quis ser economista, pai! – Sandro berrou – Era o que você queria, não eu! Eu quero ser biólogo marinho!
- Ah, Biólogo! E como pretende se sustentar observando tartarugas? – o pai dele riu – Porque se não voltar imediatamente para a faculdade, pode esquecer minha ajuda.
- Não preciso da sua ajuda. Sai do curso há dois meses e usei esse tempo para trabalhar, sei me virar sozinho. E apesar de odiar ser economista, sou muito bom nisso e venho juntando dinheiro há 5 anos, tenho muito mais na minha poupança do que você imagina.
- Você é bom em economia, Sandro! Não entendo porque não gosta, porque odeia tanto a minha profissão! É graças a ela que você e seus irmãos sempre tiveram tudo do bom e do melhor, é por causa dela que nunca faltou nada a nenhum de vocês!
- Eu não odeio sua profissão, pai. Mas quero uma profissão onde eu possa ver meus filhos crescerem no dia-a-dia, e não através de fotografias. Agradeço tudo que você fez pela nossa família, mas enquanto você passava as noites trancado no escritório trabalhando, Gustavo, Felipe e eu crescemos e você não viu. Quero dar pra minha família tudo que você deu pra gente, mas também quero conhecê-los.
- Qual é o seu plano? Porque espero que tenha um, agora que não conta mais com a minha ajuda – dava pra sentir a magoa na voz do pai dele, mas Sandro tinha certa razão no que havia dito.
- Vou fazer vestibular outra vez no fim do ano, passar pra outra Federal e cursar o que eu quero. Tenho dinheiro suficiente pra me sustentar.
- Ótimo. Tem dinheiro suficiente pra manter um apartamento também?
- Sim.
- Então pode começar a procurar um, você não mora mais aqui.


Ouvimos a porta do escritório abrir com violência e depois alguns passos pelo corredor, seguidos de uma porta batendo. Antes mesmo de Sandro voltar a sala ouvimos outra briga começar, agora do pai com a mãe dele, onde ela o proibia de expulsar o filho de casa ou também sairia. Sandro apareceu logo depois, com a prancha debaixo do braço e uma expressão tranqüila.

- Vocês aceitam mais um nessa viagem de três meses? – ele perguntou antes que pudéssemos perguntar como ele estava.
- Claro, você vai ser mais que bem vindo! – Luiz respondeu por nós dois.
- Tem certeza que quer ir? – perguntei um pouco mais preocupado com ele.
- Eu preciso – sua expressão agora era cansada – Tenho dinheiro suficiente pra ir com vocês e ainda vai sobrar muito. Ficar longe daqui é tudo que eu preciso nesse momento. Não vou voltar atrás e voltar a cursar economia.
- Claro! Você tem que se formar naquilo que gosta! – Pedro o apoiou.
- E você não vai ficar na rua quando voltar – Igor falou e todos concordamos com a cabeça – Se seu dinheiro não der pra pagar um lugar pra morar, vai ter abrigo até que possa se sustentar sozinho.
- Sim, sim, não vamos deixar nosso cérebro mais brilhante virar morador de rua – Breno deu um tapa nas costas dele – Pessoas inteligentes que moram na rua sempre viram profetas e o Rio de Janeiro já está cheio deles, não precisa de mais um.
- Valeu, pessoal – Sandro acabou rindo com a idiotice de Breno – Agora vamos pra praia antes que as ondas acabem.

Assentimos no mesmo instante e depois de uma parada relâmpago no meu apartamento pra poder trocar de roupa, pegar a prancha e o Nicholas, nos esprememos no carro do Luiz e fomos embora pra praia. E enquanto Nicholas lutava para aprender a surfar, recomeçamos nossos planos de viagem, agora com Sandro ajudando. Não era nenhum profeta de rua, mas tinha certeza que essa viagem seria inesquecível.
 

Os Renegados © 2008. Design By: SkinCorner